sexta-feira, 22 de maio de 2009

Imersão literária


A solidão é, acima de tudo, a melhor companhia de um livro. Ou vice-versa. Não estou dizendo de uma edição qualquer que sempre circula pela casa. Eu sou um desses seres que vivem cercados de livros. Em casa, frequentemente acordo com alguns deles na minha cama. Acredito que raramente passe poucos dias sem um nas mãos. Mas, ter um livro, ler partes, fazer fichamento, debulhar as imagens, vasculhar sua bibliografia, entender seu sumário, tudo isso não é ter a companhia de uma obra. É utilizá-la, como faço constantemente porque sou professora e apaixonada pelo produto como um todo.
Estar com um livro é como estar apaixonada por alguém: você não vê a hora de chegar em casa, adora ficar na cama com ele, leva o bendito para qualquer canto e cumpre rituais bestas para encontrar o ser amado (meu caso é sempre cappuccino ou vinho, com cinzeiro e cigarrinho por perto). Mais do que tudo, vc não quer que aquilo acabe nunca.

Já passei por estas experiências de mergulho em livros durante dias e dias consecutivos em diferentes situações - mesmo não querendo chegar até o final, não se consegue largar daquela paixão, daquela descoberta toda... E o ser apaixonado sabe que, paixão que é paixão, precisa ser vivida de forma intensa e sem restrições.
Tive este tipo de relacionamento, que eu me lembre, com Raduan Nassar (“Um Copo de Cólera), Ruy Castro (“Saudades do Século 20” e “Ela é Carioca”), Shakeaspeare (“Hamlet”), Carlo Ginsburg (“O Queijo e os Vermes”), Henry Bergson (“Comicidade e Riso” – coisas de doutorado...) e Chico Buarque (“Gota D´Água”). Foram descobertas incríveis. Com cinema também faço assim: assisti “Harry Potter” e “O Senhor dos Anéis” em uma tacada só, alugando todos de uma vez. Imersão.

Claro que, uma vez, o tiro saiu pela culatra. Assisti a uma entrevista do Paulo Coelho, no início da saga de seus best-sellers, no Jô Soares. O apresentador contou ter lido o então recém-lançado “O Alquimista” em uma tacada só. Como minha mãe e minha irmã gostavam do autor, tínhamos suas obras e eu sentei para mergulhar nela feito o Jô - durante um feriado inteiro. O efeito foi o contrário: peguei uma birra daquele texto dele e fiquei com raiva até de qualquer coisa boa que até poderia ter tirado dali.

Em Londrina, mergulhei em uma nova paixão que não quero que termine nunca. É com o Chico, com seu “Leite Derramado” – presente de Dani e Beto no meu aniversário e que eu sabia que seria uma dessas loucuras literárias.
Depois de poucas páginas, percebi que era uma obra-prima que se iguala à riqueza das suas canções. Agora, podemos dizer sem medo: Chico é um homem absolutamente perfeito.
O livro é construído com capítulos curtíssimos, de 3, 5 páginas, mas com um parágrafo só! Totalmente brethtaking, gente. É para ler.
Me recuso a chegar ao final desta história tão bela, mas acho que, desta noite, não passa.

Uma pitada de Chico arduamente selecionada. Olha ele descrevendo o tesão como poucos:

“Mal sabia ela que, de noite, eu espreitava da minha janela de fundos a hora de Matilde pisar a relva do jardim na ponta dos pés, entre as amendoeiras e a casa dos empregados. Eu descia correndo e lhe abria a porta da cozinha, que Matilde apenas ultrapassava. Encostava-se na parede da cozinha, a respiração curta, e me arregalava os olhos negros. Em silêncio, nos olhávamos por cinco, dez minutos, ela com as mãos na altura dos quadris, torcendo a própria saia. E corava pouco a pouco até ficar bem vermelha, como se em dez minutos passasse por seu rosto uma tarde de sol. A um palmo de distância dela, eu era o maior homem do mundo, eu era o Sol. Via seus lábios se entreabrirem, e acima deles, brotavam umas gotículas de suor, enquanto suas pálpebras devagar cediam. Enfim, eu me jogava contra o corpo dela, pressionava o corpo dela contra a parede da cozinha, sem contatos de pele, ou avanços de mãos ou de pernas, por algum acordo jamais expresso. Com meu tronco eu a esmagava, quase, até que ela dizia, eu vou, Eulálio, e seu corpo tremia inteiro, levando o meu a tremer junto.”

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