sábado, 13 de agosto de 2011

Para o dia de hoje

Ausência
Carlos Drummond de Andrade


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

sábado, 6 de agosto de 2011

O apreço do avesso

São Paulo não é tão assustadora assim. Da janela do hotel, é uma cidade gráfica em movimento. Mas se fecharmos os olhos, dá pra imaginar o que acontece porque a trilha sonora paulistana é constante e narrativa.
Foram quatro dias de um congresso que me possibilitou conhecer um tanto enorme de pessoas e de pesquisas. Apesar de pegar horários de pico para ir e voltar da ECA (Escola de Comunicação e Artes), não fiquei nem um momento encurralada na marginal - nem tensa. Bem ao contrário. Ficava admirando a beleza da cidade (São Paulo está linda linda) e entusiasmada com a intensidade e as possibilidades de tudo lá. Acho que fiz as pazes com a minha capital. Sim, porque posso até morar em Londrina, mas minha capital sempre será Sampa.

Na USP, encontrei um espaço para debate e para deslumbramento. O prédio da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), do Artigas, é absurdamente lindo – todo em concreto, cheio de vãos livres e jardins belíssimos. O anfiteatro, então... Foi lá que tivemos grande parte das discussões que me situaram melhor na área de comunicação dos países ibero-americanos.

Grande parte dos pesquisadores que foram, além de brasileiros, eram da Espanha, Portugal, México, Argentina, Colômbia, Chile, Bolívia, Equador... Quando você estava acostumando com o espanhol predominante, vinha um luso-sotaque que te quebrava as pernas. Mas foi interessante ver como a língua não é barreira. O palestrante argentino ouvia a pergunta/comentário em português e respondia em sua língua... Integr-ação de verdade.

Claro que tem muita gente que participa apenas para engordar o currículo. Pra mim, trouxe clarezas, motivações e inquietações que me empurrarão pra frente e me levarão de volta a doce São Paulo. É que quem vem de outro sonho feliz de verdade aprende depressa a chamá-la de uma graaande cidade...

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Na labuta

Estou em São Paulo para apresentar parte da minha pesquisa sobre o Pasquim no 1º. Confibercom (Congresso Mundial de Comunicação Ibero-Americano - http://www.confibercom.org/). Ao sentar, ouvi um “Márcia Buzalaf”? Era um ex-aluno da Unesp, o Pedro, de uma turma muito amiga que tive, e que cresceu muito! Logo depois, dei de cara com Dino - foi meu professor, meu chefe de departamento e é amigo-conselhador acadêmico até hoje. Mais querido, difícil.

Conversei com Célio Losnak, meu professor de História do Brasil na graduação, em Bauru, e orientando da mesma orientadora que eu no doutorado. Assistiu minha apresentação sobre a censura civil-militar – ele, que me inspirou a pesquisar este período no primeiro ano da faculdade, em 1994! Voltamos juntos de carona com Ricardo Alexino, que foi meu professor e colega de departamento na Unesp – além de um cara admirável que agora está na USP. Fora o Murilo, a Célia, a Ana Sílvia e toda a patota do campus de Bauru.

Além dos baurulinos, encontrei alguns da UEL e conheci mais um tanto de gente da Argentina, México, Espanha, Piauí, Minas, Curitiba... Acho que fui feita pra isso: estudar, trocar, aprender, crescer, conhecer. Tive a certeza de que, para mim, nada melhor do que ser professora acadêmica de uma universidade pública.

É mais do que eu imaginava, e menos do que eu almejava.

Será que é possível ser tão feliz com algo que chamamos de trabalho?

domingo, 17 de julho de 2011

Um ano sem meu pai





E ainda me sinto estranha...
Desenvolvi uma certa invejinha de quem tem pai vivo. Tornei-me uma ariana mais centralizada e responsável. Dei de cuidar do meu carro com mais carinho (era uma obsessão do meu pai). E passei a comprar coisas beges – cor predileta dele...

Diferentemente dos domingos em Londrina, no lugar de ir ao Mercadão Shangri-lá comprar os jornais, hoje cedo fui à missa para prestar uma homenagem ao meu pai. Assim que começou o ritual, as tais intenções foram lidas e eu caí no choro ao ouvir o que eu mesma havia escrito: 1 ano de falecimento de Said Buzalaf. E o caos começou, porque a linda paróquia da Higienópolis com a JK virou praticamente uma festa, cheia de músicas, power point´s religiosos e crianças que preferiam estar em um parquinho. E eu não conseguindo segurar os soluços... Os primeiros 15 minutos da missa foram assim, festivos para os outros, e emocionados para mim.

Quando finalmente o padre começou a falar – e eu esperando um belo salmo pela frente – o choro foi dando lugar à indignação. O discurso enveredou para as ações da Igreja Católica na Índia, que salvam meninas que seriam mortas pelos seus próprios pais porque, segundo o padre, a segunda filha mulher deve ser afogada e enterrada no jardim da casa. Isso para os hindus, claro – os indianos católicos são pessoas do bem, alertou o sacerdote.

Levantei e fui embora. Com cara de brava, olhar inchado e a certeza de que minha melhor homenagem ao meu pai é no dia a dia, honrando a honestidade que ele sempre me ensinou a ter.



ps. a foto acima deve ter sido a última do meu pai. Foi tirada em 2009 pelo Schubert, vizinho do predinho, e enviada pra mim há uns dois meses.


sábado, 16 de julho de 2011

PY!


Saí de Londrina numa quarta para, dois dias depois, ir visitar Vanessa & Cia no Paraguai. Ao chegar em Bauru, um aviso da Tam sobre mudança do meu voo de volta: no lugar de pegar, em Guarulhos mesmo, um avião para o interior paulista, teria de me deslocar até Congonhas. Beleza – probleminha menor. Na quinta, sim, veio a bomba: Pantanal cancelou os voos saindo de Bauru. A informante me disse que eles teriam uma van, mas que aí não daria certo com a outra voada até Assunção. Liguei para os amigos/motoristas, mas nenhum podia me levar mais cedo pro aeroporto. Reservei, por via das dúvidas, os voos da noite. Mas fui para o site do Expresso de Prata e, ligando para a Vanessa, chegamos ao melhor: ir de busão até Barra Funda, as 5h da matina, num frio da porra (não tem outra expressão para o congelamento pelo qual passei), e depois com Luciano, taxista gente boa, para Guarulhos e pronto. Check in, cafezinho, cigarrinho e embarque. Indolor e prazeroso.

Havia 10 anos que eu não saía do Brasil. Não sabia que, agora, tem um DutyFree InFlight. A aeromoça, depois de servido o almoço, passa com um catálogo de perfumes, cosméticos e até cigarros/charutos/cachimbos. Depois, vem com aquele carrinho, entregando produtos, passando o cartão de crédito...

Desci em Assunção no final da tarde, e Neri (taxista amigo de Vanessa) estava me aguardando com uma plaquinha: Márcia Neme. Uma simpatia o cara – já foi me explicando tudo da cidade e passando um pouco do sentimento que depois só se confirmaria: paraguaios são nacionalistas – e um tanto ressentidos com o Brasil.

Chegar na Van foi mágico. Somos amigas desde nossos 14 anos – sim, são 23 anos de amizade que teimou mesmo na distância, e que hoje, talvez, seja mais forte do que nunca. Diplomata, mora em Assunção há dois anos com Fernando, antropólogo que merece minha amiga, e seus dois filhotes: Caio e Nuno. Não nos víamos há dois anos e não convivíamos assim desde Londres, quando ela foi me visitar, em 2001...

Assim que encontrei Vanessa, foi como se estivéssemos sempre juntas. O contato com os dois guris mais lindos foi crescendo a cada momento. Eles são adoráveis, admiráveis, energéticos e carinhosos de doer no olhar. Me apaixonei de cara pelos dois. Com 3 aninhos, transpiram emoção.

Eu e Van saímos na sexta à noite, like old friends do. Uma volta no centro antigo, liiiindo, cheio de prédios históricos e muitas bandeiras e homenagens aos Bicentenário da Libertação do Paraguai. Eu amei. Cidade cheia de árvores, de parques, de água, de gente simpática, de cafés e vinhos... Bom, Van já havia programado de irmos a um restaurante/bar charmoso, cheio de mesas ao céu aberto – e o garçom ainda coloca um carvão quente para aquecer nossos pés. Beliscamos, conversamos horrores e voltamos felizes para curtir o sábado de manhã – depois, estaríamos só Van, eu e os dois meninos!

Acordamos e fomos para um café, o El Café de Acá, charmosíssimo e com uma tapioca paraguaia com queijo divina. Senti que o sábado de manhã, em Assunção, também é gostoso. Comprinhas de supermercado e voltamos para o delicioso apartamento da Vanessa.

Fui fazer babaganush com os meninos de ajudantes. Uma diversão só. E foi assim no domingo e na segunda, quando começou a terminar minha viagem.

Algumas certezas desta voada:

- amiga de verdade é amiga de verdade. E não é pra todo mundo, não. Precisa se esforçar, estar junto, lembrar das histórias e construir novas. E vale muito a pena – como diz Van, amigos são o mel da vida. E eu me sinto abençoada e com uma amizade ainda mais viva.

- brasileiros só pensam em compras no Paraguai. E me pareceu ser bem mais do que isso. Assunção é pequena para uma capital, tem problemas de trânsito e de direitos básicos, mas parece melhorar e ter uma força escondida. Diferentemente da experiência que tive quando fui para Buenos Aires, os paraguaios logo reconheciam que eu era brasileira e facilitavam o portunhol pra mim. Simpatissíssimos, mas nada subalternos. Quando o avião está sobrevoando o país, você vê o tanto de rio que tem lá. Desenvolvimento concentrado e reprimido?

- os filhos de uma grande amiga são meio seus sobrinhos. O vínculo é muito forte, e parece que os bacuris latino-americanos Caio e Nuno perceberam. Aproveitei o máximo que pude desta continuidade da minha amiga. Só faltou o Fernando, pra dividir todas as pequenas enormes emoções que passamos.

- para programar viagens que envolvam aeroportos brasileiros, prepare-se. Primeiro: deixe as conexões mais demoradas para a ida, quando você tem estoque maior de paciência. Na volta, tudo se complica com malas mais pesadas e a falta de sono dos voos das madrugadas. Pedir ajuda para quem sempre viaja é a melhor dica.

- comprei um jornal argentino, chamado N (com til), ou Enie, semanal, só de cultura. Incrível. E mais dois outros paraguaios e argentinos diários. O Enie eu vou seguir: http://www.revistaenie.clarin.com/. Detalhe: todos os jornais – entre paraguaios, argentinos e uruguaios - que vi eram no formato berliner. Nenhum standard.

- o pôr-do-sol de lá é dos melhores, equiparando-se ao de Bauru. Vermelho e colorido, com o azul da noite caindo na sequência...

- temos mais a conhecer aqui, do nosso ladinho, do que sonha nossa vã hipocrisia.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Simonei



Estou há pouco mais de dois anos morando em Londrina e aprendi que, assim que o frio chega, o festival de festivais começa por aqui. Teatro, Teatro do Oprimido, Música, Dança, Balé, Literatura, Cinema, Curtas... Tudo é motivo pra festival. Um dos principais é o Filo que, nos seus de 43 anos de teatro, traz também o Cabaré, com shows que já fizeram história na terra vermelha.

Pura falta de sorte minha foi que, nas últimas duas edições, por falta de grana ou sei lá o quê, não ocorria o Cabaré. Eu até achava que se grafava Cabaret, tamanha ignorância. Mas este ano eu debutei, em grande estilo, na parte musical do Filo.

Infelizmente, eu não estaria aqui em boa parte dos shows - veio Erasmo Carlos, Arnaldo Antunes, Nando Reis e Eduardo Dusek. Não pestanejei: comprei ingresso para os dois que poderia - o Baile do Simonal e o Martinho da Vila. Este último, claro, foi a maior alegria pra minha mãe, que veio de Bauru para ver o samba do seu grande amor. O show foi no sábado, e muita gente não gostou. De duas em duas, três em três músicas, Martinho saia do palco e deixava seus filhos cantando. Nada contra, mas frustrou. Norma foi taxativa: adorou vê-lo, mas o prefere em DVD!

Já os filhos do Simonal foram escolhidos pela simples afinidade com algumas músicas e pela história da época da ditadura. Nada (de) mais. E fui com o jornalista Rogério Fischer que, além de boa gente, é divertido ao extremo, conhece muitas pessoas e tem sempre boas histórias pra contar. Até por estes motivos, a noite estava garantida e não criei expectativa alguma sobre o show em si.

Mas eis que o galpão do IBC (antigo Instituto Brasileiro do Café), que abrigou o Cabaré, era espaçoso, belíssimo, decorado, perfeito, histórico. Pessoas diferentes conversando, rindo, dançando... Antes dos Simonais entrarem no palco, música de boa qualidade rolando, vários tipos de bebida, comidinhas, bancos pra gente sentar. Mas foi impossível chegar perto de um deles porque, quando o show começou, ninguém ficou parado.

Com uma energia incrível, Max de Castro e Simoninha levantaram uma turma já animada e cantaram as melhores do pai. Em um determinado momento, acho que na música Nem Vem Que Não Tem, percebi que não tinha um ser vivo quieto por ali... Eu dancei do início ao fim. E me emocionei com Sá Marina, tão linda na voz dos meninos. De presente, encontrei um aluno da UEL, o Roger, que do alto de seus 20 e poucos anos, conhecia todas as letras... Percebi que Simonal é atemporal.

Quem quiser saber mais, vale a pena assistir o documentário Ninguém Sabe o Duro que Dei, integralmente disponível no YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=VQWEjWE0LcY). Para além das polêmicas dele com o Pasquim, fica claro que Simonal foi um fenômeno de massa na época em que os meios de comunicação adentravam os meandros da indústria cultural.



E é que foi justamente este efeito que os Simonais tiveram sobre mim? Depois do show, comprei um CD e um DVD, movimentando a tal indústria. Felizmente, ando aprendendo (principalmente com meus alunos) a usar melhor a internet e, pelo menos o documentário, veio de forma democrática via rede.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O primeiro aniversário



Minha Milena completou 39 aninhos hoje. Teve sorte, a pestinha: foi o dia da festa junina da Apae e, se bem conheço minha irmã, ela deve ter achado que o arraiá todo era pra ela. Pelo que soube à distância, o dia foi delicioso, com direito a visitas queridas e presentinhos que ela adora. Qualquer embrulho a agrada.
Foi o primeiro aniversário dela longe do pai e, depois de quase um ano, ainda não sei como minha bonequinha lida com a morte. Há umas três semanas, ela chamou todo mundo na casa dizendo que o Said estava no quarto. Depois, foi para a porta de entrada e ficou olhando pelo vidro, dizendo: “Entra, pai”.
Ele era extremamente presente da vida da Mica. Quando fui do hospital para a casa da minha mãe buscar a roupa que vestiria meu pai em seu velório, ela veio sedenta para cima de mim porque percebia o clima estranho dos últimos dias. Minha tristeza era tamanha que não consegui lidar com a dor da minha irmã, tão confusa. E a confusão continuou; a tadica ficou meses sem dormir direito e chamando o pai pra jantar. Depois da morte, Mica ficou um pouco mais mimada, um pouco mais birrenta e um tanto mais mandona.
Para mim, Milena se tornou ainda mais importante. Para ela, a vida se tornou mais triste, tenho certeza.



Ps. a foto é dos poucos registros dos dois sozinhos. Foi tirada pelo Mário, meu ex-marido, há exatos 10 anos, quando eu ainda estava em Londres. Detalhe é o cigarrinho de palha do Said. Como herdei a "latinha" dele, vou fazer um, em homenagem à saúde da minha irmã.