sexta-feira, 30 de abril de 2010

O novo porto


Minha casa em Londrina, a partir de sábado, será na rua Alagoas. Eu sei que o estado é terra de Collor, mas a posição geográfica ajuda: fica entre as ruas Paranaguá e Santos, dois portos, duas saídas para o mar, duas cidades pelas quais passei mais de três vezes na vida. É, acho que estou em casa.

O apartamento é melhor do que eu esperava e maior do que precisava, mas, depois de ver uns 20 lugares para alugar, como resistir a este? Sala grande, irregular, belamente iluminada, e já com um espelho na parede e pregos para meus quadros (que estão no porta-malas do carro), dois belos quartos, mega área de serviço com lugar pra cachorra, cozinha grande (mas que falta umas prateleiras), uma suíte de chorar, de tão linda, e dois banheiros inacreditáveis.
Negociei o preço do aluguel. Com condomínio caro, nenhum proprietário quer ficar amargando um apartamento por mais de alguns poucos meses. Mas, pelo que soube da imobiliária, o fato de ser eu – só eu – sem filhos nem amigos para dividir o apartamento, contou bastante na decisão. A lógica é que sou uma melhor candidata porque, sozinha, tendo a depreciar menos o apartamento. É a primeira vez que vejo uma coisa single ter vantagem sobre os pacotes familiares – que vão de viagens até pacotes de comida.

O transporte dos móveis de Bauru será daqui uns dez dias. Enquanto isso, vou me virando com o que tenho. A maior preocupação, por enquanto, não é em relação ao eco de um apartamento vazio, nem à estranheza que vou sentir num apartamento grande. O lance é a Shú, que demorou pra se acostumar com este apartamento e que, agora, terá de mudar de novo, para um labirinto de três quartos. Fico preocupada com ela, porque a bichinha é apegada. Até hoje, depois de um ano de Londrina, eu sinto que ela fica mais feliz quando vai pra Bauru.

Ontem, conversamos:
- Vem, cá, meu anjo, preciso te contar uma coisa: a gente vai mudar de casa.
Shú me encara fixamente, e agrava ainda mais as rugas naturais da testa. Ela para de fazer qualquer coisa quando eu falo.
- Eu sei, neguinha, que não foi fácil você se adaptar no Chamonix, mas aqui não é nosso lugar. Vamos mudar de apartamento?
Shú lambe os beiços. Ela associa o verbo “querer” com comida e passeio. A coitada ainda tenta arregalar mais seus olhos chineses e semi-vesgos, louca para reagir a uma fala ou atitude minha.
- Não, anjo, não... Tô falando da nossa nova casa. Você vai ter um quartinho pra você, vai ter um monte de lugares pra explorar, tá? E tem sacada, shulé, pra ver a lua, o por-do-sol... Vai ser uma delícia...
Shú se empolga e começa a abanar freneticamente seu rabo virado para dentro do corpo – compenetradíssima em mim. Eu aproveito a deixa:
- Mas não quero reclamação no começo, cã, e eu sei que vai ser superdifícil. Você não pode atrapalhar, Shú da Silva, porque não vai ter um monte de coisa e vai demorar um pouco pra gente se sentir em casa. Mas não pode fazer palhaçada de ficar tristonha quando ficar sozinha lá. Não pode!
Shú começa a querer lamber meu queixo, no seu melhor pedido de desculpas. Ela é assim: quando eu falo “não”, ela já começa a se redimir. Tadica.

É aquela coisa do bicho se parecer com o dono. Na minha opinião, é pior: a Shú é minha caricatura. Ansiosa, apegada e adaptável ao extremo. Eu mesma ando me despedindo deste mini-apê que morei, porque ele será, para sempre, meu primeiro apartamento em Londrina, onde mais me encontrei e encarei o conflito e a identidade com a nova cidade. Me adaptei porque não é a primeira e talvez não seja a última “casa” que deixo. Mas a casa nova, mesmo que venha a ser provisória, será meu porto seguro por um tempo. Entre Santos e Paranaguá.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Manual para alugar um apê em Londrina


Estou de aviso prévio no meu um-quarto-mobiliado-provisório há umas duas semanas, mas já venho olhando apartamentos desde janeiro, quando percebi que minha residência daqui pra frente é mesmo em Londrina.
Adianto o resultado: é difícil pra caramba. Nunca achei que fosse uma epopéia achar um bom lugar no centro, com dois ou três quartos, sacada (quanto maior, melhor), dois banheiros, cozinha bacana porque eu gosto de cozinhar, armários sem aquele cheiro de mofo, banheiro com box blindex (meu luxo; acho que faz uma diferença) e armários (tenho tara por cremes), além da exigência de ser em andar alto. Bom, tudo bem, acabei de perceber que minha lista não é pequena, mas, caramba, nem estou miguelando no orçamento...
A questão é que Londrina tem uma dinâmica própria muito diferente do que já vivi quando loquei apartamentos em Bauru. E esta experiência trouxe algumas revelações:

1. O mercado imobiliário daqui é superaquecido. É irritante, efêmero e impessoal. Gente mudando, gente construindo, alugando, só querendo vender, voltando pra Londrina. Mas nenhuma imobiliária se preocupa realmente com o que você quer – principalmente se quiser algo fora das áreas em desenvolvimento.

2. Tentar direto com o proprietário parece ser mais difícil ainda. Primeiro porque, se você for partir dos jornais, precisa ir direto para a Folha de Londrina. São três cadernos no domingo só de imóveis. Fui ver uns cinco apês de anúncios de três linhas. Foi frustrante. Em segundo lugar porque, em termos de imóveis, as imagens falam muito mais do que apenas algumas linhas de palavras abreviadas (2qts,1suite,wcsocial,sac,coz.plan.,gar!!!).

3. Encontre corretores sensíveis e que te ouçam. Tem gente que fica tentando me enfiar na Gleba Palhano – região nova da cidade com várias avenidas, prédios e condomínios, mas sem padarias, sem gente, cachorro ou banca de jornal. É lá que estão os apartamentos brand new. Mas eu não vou, ah, não vou mesmo.

4. Se queres morar no centro, também não dá para pensar em nada aquém do sexto andar. A proximidade de prédios tira totalmente sua privacidade e, neste sentido, aquela sacada tão almejada pode virar depósito ou vitrine, dependendo da sua atitude.

5. Se gostou, faça a proposta por escrito no mesmo momento. Sim, porque se você for como eu, que passa a noite pensando, fazendo contas (mania de ariano), rabiscando no papel a disposição da casa, e liga apenas no outro dia para confirmar o interesse, vai perder. Eu deixei pelo menos dois belos apartamentos serem alugados por outrem porque foram mais rápidos. Quando em Londrina, aja.

6. Só aceite o apartamento mobiliado se ele for equipado com coisas novas e boas. Se for velharia – como na maioria dos casos – prefira um pelado e vá até a Duque de Caxias, uma rua temática com vários móveis, geladeiras e afins usados. Tem produto praticamente novo e relíquias charmosíssimas. Ah, e não se engane: distingua mobiliado de semi-mobiliado. As imobiliárias e os proprietários confundem.

7. Se você está chegando agora em Londrina, sacrifique um pouco a economia, aperte o cinto nas tentações das piscinas/fitness centers “palhanas”, e more no centro. É lá que é possível se sentir parte da cidade. O centro tem vida, tem gente, todo tipo de gente, gente andando, tem cachorro e lixeira, tem lojinha, bar diferenciado e boteco, tem banco e supermercado, cheiro de pão quente, tem acesso pra todos os lugares, rodovias... Tem trânsito também? Tem. Tem acidente de carro? Muito. Violência, furto, assalto com morte? Tem. Mas o centro é o centro – lugar de histórias e também possibilidades. Até para procurar lugar pra morar, é mais fácil lá: faço minhas visitações andando, procuro os prédios que gosto nas caminhadas com minha cachorra. Por isso, digo e repito, sem receio algum, o mantra que tanto apavora os corretores de imóveis daqui: “eu quero morar no ceeeennntroooo”. E dá-lhe pernas.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Londrina.36


Foi meu primeiro aniversário na nova cidade – cada vez mais, a minha casa. E foi incrível. Acordei inexplicavelmente feliz – e a falta de motivos para isso era porque precisava recolher exame de sangue para meu novo contrato com a UEL. E precisava madrugar, já que ainda me movo muito mal naquele campus sem fim. Mas tinha um presente na minha porta: a vizinha Ge, tão querida, deixou um tinto argentino Navarro Correas Ultra, trivarietal. Garrafa bojuda, com caixa estruturada e a explicação de que ele é dedicado ao prazer. Guardei para a inauguração do novo apê.
O banho foi ainda mais feliz, o frio com sol estava belíssimo, e eu nem demorei tanto para achar o HC para sugar meu sangue. Detalhe: o bom humor resistiu à vontade quase incontrolável de encher minha boca de café, cappuccino, água! Alguém precisa inventar reagentes para os exames não precisarem de jejum. Acho desumano ficar 12 horas sem nada. O curioso é que, pelo que me lembro, em São Paulo, acho que são 10 horas sem comer e 7 sem tomar água, algo assim.
Enfim, peguei a senha 19 e percebi que estavam no 10. Depois de uns poucos minutos, engatei de conversar com a senha número 15, sentada ao meu lado direito. Professora de química. Depois engatei um papo com a estudante de pós que lia textos de sociologia à minha esquerda. Texto de esquerda, claro. E ela era de Bauru! Quando olho, uma moça acenando alegremente pra mim. Retribuí com cara de dúvida, claro, e ela logo veio esclarecer que achava que era eu era minha irmã. Ainda somos confundidas por aqui – parece que voltei para a época da Plenty com BTC, quando eu e Mirelle éramos quase idênticas.
Voltando à sala de espera, mesmo batendo papo, aquilo não tinha fim. Um médico veio conversar e eu logo avisei para ele tirar aquele café de perto de mim para evitar cenas Tarantinescas. Eu quase avancei no cara, de verdade. Finalmente me chamaram. A enfermeira, assim que olhou o agendamento do exame para 09/04/2010 e minha data de nascimento 09/04/1974, começou a rir... “É seu aniversário, e você veio fazer exame?”. Mas o pior já havia passado porque eu até gosto de ver as ampolas saindo. E foram 3 grandonas e 2 pequenas. Lembrei do Tru Blood, seriado vampirescamente delicioso que conheci no final do ano passado e que está na segunda temporada. Acho bonita a cor do meu sangue vegetariano. Dizem que é mais doce pela falta de toxinas.
Mas doce mesmo estava aquele café fraquinho do HC. Tomei assim mesmo e fui correndo para o Caramelo tomar um café Caramelo, artisticamente elaborado pelo Luciano. Ge parou lá para tomar um café comigo. Voltei para casa fazer curativo na cachorra que quebrou feio a unha. Minha mãe ligou e meu anjinho Milena cantou parabéns pra mim – e é a cantoria mais bonita do mundo com o jeitinho dela...
Fui almoçar com irmã e sobrinha em um restaurante especial: o Villa Fontana. O nhoque de mandioquinha com creme de gorgonzola foi de chorar. Acho que o melhor da minha vida, de verdade. A receita foi mudada pela vegetariana aqui; a original tinha tiras de filé mignon, que enriqueceram o prato da Mirelle.
De lá fui fazer unha – necessário. Voltei, conversei com o pessoal do prédio, desci com a Shú para tirar o lixo, ela correu com sua atadura pelo estacionamento, banho e UEL. Nas duas primeiras aulas, a turma já tinha um exercício de texto agendado. De repente, eles começam a cantar parabéns. Uns figuras que conheci este ano. Nas duas últimas, era minha turminha já conhecida, a turma do Radiojornal do ano passado, que estão encarando as Teorias de Jornalismo comigo agora, e que estão sempre muito próximos de mim. Fizemos até amigo secreto ano passado.
Eles já chegaram com caixas de salgadinhos e refri. Só eles mesmo. Grande parte da aula virou festa com direito até da presença do seu Luiz, grande seu Luiz, secretário do nosso departamento que tem olhos do Chico Buarque e é amado por todos.
Teve discurso, muita gargalhada, fotos, vídeos... Tudo, menos teoria. Prática acadêmica no melhor sentido da palavra. Voltei com três alunos de carona: Fabrício, Allan e Guilherme. A cidade estava eufórica – como eu.

No sábado, o aniversário estava marcado para Bauru, junto com meus amores que são muitos. Mas foi em Londrina que comecei meus 36 anos, meu novo ano, na cidade que ainda é nova pra mim, com gente sempre nova, lugares diferentes, outras sensações. Uma coisa eu tenho certeza: a idade ajuda a gente aproveitar melhor as oportunidades que o mundo sempre nos oferece. Idade traz calma. Traz uma urgência calma. Talvez aguce o discernimento. Sofre-se menos, eu acho. Mas usa-se mais cremes, com certeza.

Bauru.36


Quando eu achei que meu aniversário já estava ganho, ainda me surpreendi. Saí de Londrina sábado cedo para a comemoração no interior paulista. A estrada estava linda, calma, e eu fui no embalo de Count Basie e John Coltrane. Trilha de quem fez 36. Ao chegar em Bauru, passei no meu apê para deixar umas malas e a cachorra. Subi três lances de escada e, quando vi minha porta, precisei checar o número do apê para ver se estava certo. Tinha um pratinho de bolo das Garotas Superpoderosas cheio de fitinhas preso na porta. Só pude pensar que a neta do porteiro tivesse feito aniversário e ele quis animar meu apartamento solitário de Bauru.
Quando entrei, a emoção: estava tudo decorado. Bexigas, pirulitos, fitas, enfeites, presentinhos e cartazes, vários cartazes feitos pelos melhores amigos que o mundo poderia produzir: os meus! Joguei as malas no chão e caí no choro, gargalhando com lágrimas de alegria a cada passo que dava. Em todo cantinho tinha um mimo. Até no banheiro eles colocaram bexiga! Na geladeira, um bolo delicioso com o recado: “Com amor... NÓS!”. Os escritos davam conta de que Paola (a festeira mais amorosa e profissional do mundo), Fabrício (criativo e no embalo) e Laura (carinhosa e original como só ela) tinham armado a festa. Mas tinha registro, também, de Dani Guedes, Beto e Clarinha – o casal com filha que completam nossa tchurma.
Eu chorava emocionada... Não acreditava que em plena sexta-feira, 21h, eles estavam na minha casa enchendo bexigas para mim. Imaginei as combinações, a troca de emails, pegar a chave com minha mãe...
Tudo estava lindo, e eu custava a acreditar que mereço tanto. Mas acho que nem é questão de merecer ou não: é sorte. Quem pode ter amigos tão leais e amorosos quanto os meus? Não, não é privilégio de muitos mesmo.

Fui para minha mãe almoçar o banquete dos deuses de Norma, que também tinha bolo. Quando a levei para ver a obra no meu apartamento, chorei novamente. Saí, voltei e, quando abri a porta, de novo a emoção. Dava risada sozinha quando ia fazer xixi com aqueles enfeites todos... Tentei descansar quase em vão – estava eufórica demais pra isso.
O combinado era o povo ir em casa para um “esquenta” e nosso brinde antes de sentar no Dublin´s. Pouco depois das 21h, chega Fá e Pá, seguidos por Dani, Bé e Cacá. Brindamos com saquê – está virando uma tradição – e eu fui abrir os presentes. Meus amigos são exagerados no grau mais perfeito das possibilidades. Sempre sempre sempre acertam no que escolhem e, dessa vez, não foi diferente. Clara e Beto ficaram curtindo a Shú, todos rimos, nos divertimos, contamos histórias e esticamos o horário previsto. Laura chegou de um casamento, parecendo uma princesa. Parecia que a festa era em casa mesmo, mas mesmo assim fomos ao Dublin´s, e fomos tarde, graças ao santo protetores dos boêmios, porque o bar decaiu trocentos por cento e ficamos pouco por lá.

No domingo, minha tia Leonor, linda e amada por todos, me mostrou que meu aniversário não havia terminado. Foi na minha mãe me dar um beijo e uma lembrançinha, que também é para a minha nova casa.
Na segunda, vim para Londrina. Pouco depois de chegar, minha mãe liga avisando que meu vizinho, eterno vizinho de Bauru, deixou um vinho de presente para mim. Acredito que seja português, dado o histórico. Tenho certeza de que é bom, considerando o extremo bom gosto. Na terça cedo, meu aluno cinéfilo Beto me dá um DVD do seriado Nurse Jackie, gravado para mim. Na quarta, assinei o segundo contrato com a UEL, acumulando duas responsabilidades, dois crachás e dois salários. Mais tarde, o Timão me dá aquela alegria que só corintianos conhecem. Na quinta logo cedo, fico sabendo que a nossa candidata à reitoria da UEL ganhou a eleição. Pois é, as comemorações não acabam.

Muito coisa para um aniversário só. Isso porque eu nem contei dos emails, mensagens e recados carinhosos que recebi... Foram mais, muito mais de 36 motivos para mudar de idade sem receio algum. Porque, nas celebrações deste novo ano, ganhei os melhores presentes. Ganhei amor. E nas duas cidades.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Determinismo astrológico


O período que antecede os aniversários sempre são conflitantes. Coisas mudam e, sabe-se lá como, você fica mais introspectivo. Lembro de infernos astrais tenebrosos dos meus amigos. Tempos de mudança de emprego ou de perda de pessoas amadas. É o inferno na terra porque não dá nem para dormir. Eu também já tive um pré-aniversário sinistro. Foi ano passado, mas foi pela metade. Explico melhor. A primeira parte do inferno antecedeu a defesa do doutorado. A once-in-a-lifetime-situation quase comeu meu estômago de ansiedade. É angustiante pensar que quatro grandes professores iriam avaliar meus anos de pesquisa ali, em uma situação que bem parece um julgamento. E, como num filme do Fellini, passei do inferno ao paraíso em poucos takes, na comemoração do doutorado com os amigos, a aprovação para professora substituta na UEL, o meu aniversário... Comecei meus 35 tão feliz, tão cheia de esperança, que, dia 9 de abril deste 2010, estou pensando em ficar nos meus 35 anos – bem mais jovialmente e estruturalmente arredondada para os 30 do que os 36 (mais próximos do outro dígito). Depois, já decidi: pulo direto para o 37 numa boa. Bom, nem tanto numa boa assim. Se o inferno continuar incerto, quem sabe eu espere até meus 40 para mudar, de uma só vez, a idade, a década e as decisões.

sábado, 3 de abril de 2010

Vizinhos e vizinhas


Eles são muitos porque compreendem não apenas os moradores do meu prédio, mas também os edifícios vizinhos e tão próximos. Por isso, valem o post. Só aqui no Chamonix, somos em 60 apartamentos – seis por andar, com dez pisos. No mínimo, mínimo, 60 moradores, mas tem vários casais (não sei como eles se suportam no microespaço) e gente com animais, que também são vizinhos.
Já vivi momentos estranhíssimos e interessantíssimos no prédio. Começou com a moradora de baixo, que deu de implicar com minha cachorra desde quando cheguei e não para. Costuma dar vassouradas no meu chão, a coitada, que já reclamou do barulho da Shú até quando ela estava em Bauru! Detalhe: shar-pei praticamente não late, e a minha, eu sei, é uma lady. Foi latir com uns quatro meses de vida pra mais. No começo da perturbação da vizinha, eu ficava irada. Agora, revido sapateando ainda mais forte, e no mesmo ritmo da grosseria dela.
Aos poucos, percebi que a mulher é realmente a laranja podre do nosso edifício; portanto, abri o coração para o resto. Mas, uma bela noite em casa, outro problema: minha vizinha de porta me interfona pedindo para eu colocasse roupa, porque o namorado dela era “folgado” e estava me olhando, de trajes menores, pela janela. Mais estranho ainda: a menina, de uns 20 anos, me tratou super bem e, aparentemente, o voyerismo do moço não atrapalhou em nada o relacionamento. Não era eu que iria encanar. Segui adiante.
Descobri a Ângela, um amor de pessoa que me traz manga da fazenda, pão sírio da kibeteria e ossinho para a Shú. Fui ficando melhor assentada. Conheci um vizinho vegetariano que é assim desde neném. Foi o único caso em que vi uma pessoa nascer veggie. Tem também o Rogério, arquiteto cabeça aberta e dono da Nina, uma lhasa linda linda, e o Leonardo, aluno de direito da UEL, do mesmo andar que eu, por quem a minha cachorra é apaixonada. São os mais chegados, apesar de passarem longe do rótulo de amigos. Tem personal trainner, advogada, guarda de trânsito feminina, alunos universitários e até de cursinho.
Apesar da diversidade do edifício, o mais interessante daqui são os vizinhos dos outros prédios, próximos ao meu. Para quem não conhece Londrina, o Centro é uma região vertiginosamente de prédios. É um do lado do outro em uma sequência que só e quebrada pelas padocas, cafés, pets, salões e algumas lojas. Mas é prédio com prédio, não tem jeito.
Na janela do quarto, dou de cara com o Terremollinos, um duplex que paquero desde que cheguei aqui. De lá, convivo com senhor fumante, que deve ser expulso para a sacada pela esposa, tem gente sozinha feito eu, e, estranhamento, reparo em um apartamento com três sãopaulinos e uma garota. Enigmático. Tem apartamento que fica com a luz acesa o tempo todo. Passo mal de revolta. E tem gente que não dorme de madrugada, como eu.
Das janelas da sala, outra vista: o belo prédio da rua Goiás. As decorações são lindas - as amplas sacadas permitem a visualização da sala de todos. E, mais uma vez, divido momento com os vizinhos. Dia desses, tinha um cara tirando foto da chuva. Também, pudera. Nossa vista de um temporal é belíssima. Um outro, no mesmo dia, estava no celular por horas enquanto eu trabalhava na sala. Ele até tentou tecer uma conversa comigo entre prédios, na base da mímica, mas não aconteceu. Acabei me distraindo com um casal alto astral tomando cerveja na sacada logo ali, no primeiro andar. Pareciam embebecidos um pelo outro e, felizmente, nem repararam que eu estava lá.

Em Londrina, voyeurismo é condição de moradia da região central. Você assiste e é assistido. Percebe fatos, estabelece relações e criar uma narrativa com começo/meio/fim, causa/consequência, trivial/surpresa... Pode até intervir nas histórias, consciente e inconscientemente. Parece um Big Brother no MUTE, e em mão dupla.