sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Para (ainda) hoje


Som: todos os sambinhas do Chico Buarque, já devidamente separados no meu notebook, e que me acompanharam neste ano. Incenso 7 ervas daqueles rústicos – guardei pro ritual do último final de tarde do ano. Bebida: Freixenet, cava, negro. Banho: de sais com alecrim e outras ervas, para descarregar e energizar – presente da Paola. Banho longo e, com certeza, gelado. Cremes e hidratantes. Vou vestir cada peça de roupa lentamente, entre a música e a taça, na minha casa bauruense que ainda adoro. Quero fazer tudo com calma para entrar em 2011 no mesmo ritmo. Totalmente smoth!

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Revertendo a tristeza agendada


Era para ser o pior final de dezembro da história. Pelo menos para mim, que passei o ano mais difícil dos meus 36. Trabalhei muito, sem parar, fiz duas mudanças de casa (Londrina-Londrina e Bauru-Londrina) sozinha, prestei dois concursos na UEL (e dá-lhe madrugadas estudando os pontos de cada um) e, por fim, vi meu pai ir embora deste mundo nas minhas mãos, e a des/re-construção pela qual uma pequena família como a nossa passou.

Em agosto, eu já estava querendo 2011. Clamava pelo fim do tormento, pela mudança numérica e astral que poderia me trazer a virada. Passar do ano do Tigre para do Coelho só poderia ser pacificador. Agenda nova e a certeza de que, algumas dores, ficariam datadas em 2010.

Mas ainda estamos em dezembro do ano turning point e, assustadoramente, eu estou bem mais feliz e tranquila do que imaginava. A saudade do meu pai se tornou minha companheira – converso com ele, peço ajuda (e recebo), choro, dou risada lembrando das características tão marcantes do meu velhinho... E isso, de alguma forma, acalentou uma solidão que vinha me entristecendo, e que tinha vínculo, também, com a morte dele. Consegui, não sei como, levá-lo para dentro de mim para, assim, tê-lo como talvez nunca tenho tido.

Tentarei deixar, em 2010, os momentos de descrença profissional, as incertezas familiares, as pessoas que não valem a pena, as notícias que não me interessam mais, a postergação de algumas atitudes, a ingenuidade besta que tenho com o ser humano e a irritação quase permanente com o que me indigna. E quem sabe levar um conhecimento maior sobre a(s) morte(s) que vi, vivi e viverei na minha vida.

Mas faço questão de levar os presentes que ganhei ao longo dos meses. O maior, sem dúvida alguma, é a pequena gama de pessoas que, se me faltassem, eu não teria me segurado. Já vivi mirando projetos de onde queria chegar. Agora, meu projeto de vida é ter boas pessoas sempre por perto – e fazer o que eu posso por elas. Quem esteve ao meu lado, de alguma forma, quando meu pai morreu, foram os que ganharam um lugar no meu coração pra sem-pre. Cada email, cada abraço, cada ligação e todos os olhares de carinho no momento em que mais se precisa dos outros – foi/é inesquecível. Estes seres especiais ganharam uma importância divina em mim. Vi, de verdade, que somos e estamos juntos nessa – nessa vida.

Também não largo dos bons hábitos adquiridos: depois de anos com leituras quase que sempre acadêmicas, voltar para os romances, biografias, poesias e tratados. Foi ótimo. Até reli, em um sábado à noite, o Carta ao Pai, do Kakfa. Também reli o Leite Derramado do Chico.
Outro bom hábito: cozinhar meeeesmo, in daily basis. Sem a casa da mãe por perto, fui descobrindo minhas habilidades e escolhas, porque aceitei que não sou uma pessoa de self-service.
Terceira mudança do ano: música sempre, todo dia, para levantar ou acalmar. Música para tudo.
E, por fim, recomendação de um amigo querido: se espreguiçar longamente ao acordar. Ainda mais eu, que durmo encolhida. Vai fazendo um bem... Além da esticada, tomar dois copos de água em jejum assim que se acorda, e esperar ao menos 15 minutos para o café.

Alguns hábitos são delícias que fazem parte dos dias, que geram estabilidade e que nos levam a algum “lugar”. Na minha vida, estão cada vez mais acompanhados por um bom vinho e ótimas pessoas. À lá Lenine, em 2011, “quando eu olhar pro lado, eu quero estar cercado só de quem me interessa”.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Em Londrina, para o Natal

É estranho.
Primeiro porque sempre passo na cidade em que nasci. Natal em Bauru, mesmo quando ruim, era bom. Tinha a casa da Paola, o Fabrício indo em casa, alguns parentes do coração e a certeza de encontrar muitos ex-bauruenses pelas ruas da cidade.

Também é estranho porque Londrina, sem a UEL, perde seu charme. A cidade se volta para o consumo e parece ser menos democrática do que durante o ano acadêmico. Falta diversidade. Sobram pessoas. Até o Varanda está fechado.

Em terceiro lugar, já me irrito normalmente com a orgia das carnes (mortas) desta época, e, em Londrina, parece ser pior. Hoje, topei com cabeças de porcos assadas, à pururca (tinha umas 30, no mínimo), para vender no Mercadão Shagri-lá. Só a cabeça! Um moço me informou que era para “enfeitar” a mesa. Quem quer enfeitar uma mesa, é só ter uma boa vela e bom gosto. Quem consegue jantar olhando para as orelhas, olhos, fuçinho do porco ou leitoa? Nojento, sádico e cruel. Peço aos meus amigos carnívoros: por favor, não compactuem com esta aberração. É desumano demais.

A trilha sonora do fim de ano - India.Arie em tributo a Stevie Wonder:
http://www.youtube.com/watch?v=wv1m1In17LE

sábado, 18 de dezembro de 2010

A FABRICAÇÃO DA SUA PRÓPRIA REALIDADE*

Ninguém sabe quantos anos ele tem, como chegou lá, nem mesmo seu nome de nascença. Mas ele mora no CECA (Centro de Educação, Comunicação e Artes), na UEL, nos nossos corredores. Acredito que ele goste, prioritariamente, do pessoal de Comunicação – porque é lá que ele vive. Mas também soube que, frequentemente, nosso cachorro busca abrigo no Departamento de Artes Cênicas, onde é igualmente bem tratado. O pessoal do Teatro tem um tapete que, pelo visto, ele adora.

Apesar de ser conhecido de forma variada, seu nome mais comum é Juvenal. Oficialmente, aliás, é esse o nome usado pelos seguranças e trabalhadores em geral daquela área da universidade. O segundo chamamento mais usado, e cunhado pelos alunos que estavam lendo o Izidoro Blikstein*, é Kaspar Hauser. A semelhança no andar, nas paradas e no semi-autismo de quem parece não pertencer a este mundo é surpreendente, e até engraçada. Tem estudante que só o conhece como Kaspar.

Eu o chamo de Juvenal – em respeito aos seguranças, que são os verdadeiros cuidadores dele. Desde que cheguei na UEL, fui me aproximando dele e do seu Manoel, nosso segurança mais presente e que é oficialmente quem mais cuida dos cachorros do CECA. Foi ele quem me contou a história de Juvenal, abandonado na universidade (prática freqüente de quem, por algum motivo, tem problemas em manter o bicho) há ninguém sabe quantos anos. Soma mais de uma década, conforme os funcionários lembram.

E ele veio sofrendo, e sofrendo. Teve problema de pele, perdeu todos os pêlos, foi internado e quase morreu. Tudo isso em 2009. Em janeiro deste ano, Juvenal foi atacado em seu habitat por um pitbull solto na UEL. Seu Manoel me contou, com tons de herói, que arrancou uma placa de ferro da grama e meteu pancada no cachorro que atacava o nosso. Imaginem que coragem teve este homem, que deve beirar uns 65, 70 anos de idade... Por sorte, apareceu um aluno e ajudou nosso segurança a expulsar o pitbull. Levaram Juvenal para o HV (Hospital Veterinário) e, lá, ele ficou um bom tempo se recuperando. Voltou andando com ainda mais dificuldade.

Eu sempre chegava perto, conversava com ele, levava ossinhos da Shú (que ele não come, porque não tem muitos dentes) sem muito sucesso. Na verdade, Juvenal parecia só gostar dos seguranças da UEL. O cão quase rasteja só para ficar perto deles. Mas como sempre gosto de conversar com quem está lá há bastante tempo, ficava perto dele também.

Quando voltamos do recesso de julho, mais um susto: Juvenal havia sido atropelado dentro do campus. Novamente, ficou internado no HV por semanas e os boatos de que ele não voltaria foram aumentando. Mas ele não desiste: voltou bem pior, com as pernas todas tortas e o andar mais lento do mundo, mas voltou. Obviamente, ganhou um novo apelido dos estudantes: José Alencar! O serzinho não morre mesmo.

Assim que Juvenal voltou, seu Manoel entrou de licença-prêmio. Eu percebi que ele estava ficando triste e fui me aproximando. De um mês pra cá, fi-nal-men-te, ele passou a me reconhecer, parar ao meu lado, tentar me olhar com a dificuldade de levantar a cabeça, abanar o rabo quebrado para mim (que gira feito uma hélice) e até me esperou na porta do banheiro esta semana. Tenho ido mais cedo para fumar um cigarro junto com ele.

Peguei carinho pelo bichinho, pela sua história, sua força... Pensei até em trazê-lo para a minha casa, mas ele não sobreviveria fora do campus, com certeza. Pessoas mais próximas que sabem da minha relação com Juvenal tentam me preparar para sua possível morte. Mas ele surpreende a gente. Há umas poucas semanas atrás, havia uma cachorra, possivelmente no cio, que fez o velho resistente gemer, se contorcer e quase tentar alguma coisa. Isso porque ele fica uns bons minutos só para conseguir sentar e depois deitar – imaginem, só, tentar montar em uma fêmea.

Acredito, de verdade, que ele seja um ser iluminado, por assim dizer. Assim como temos homens e mulheres que tiveram uma vida especial para o mundo, tudo o que vive pode ter a mesma divindade. Histórias de cachorros que vivem pelos seus donos, nós conhecemos aos montes. Eu mesmo vivo essa realidade com a minha cã, desmedidamente apaixonada por mim. Mas Juvenal é diferente. Ele tem voracidade e amor pela vida. Porque é muito fácil ser a Shú – o difícil é viver como Kaspar Hauser.