domingo, 28 de novembro de 2010

27 de novembro


Aniversário do meu pai. Faria 83 anos e, com certeza, não gostaria de festejos. Said só pedia uma boa comida – geralmente quibe ou charuto de folha de uva. Com os dois, era obrigatório ter coalhada. Carneiro assado seria a terceira opção. Neste caso, o acompanhamento é ráchua (arroz com carne moída; grafia minha). Bolo também era obrigatório; qualquer doce da face da terra o agradava. Mas ficava quieto enquanto cantávamos parabéns.

O pior era tentar dar um presente ao meu pai. Uma verdadeira missão. Foram pouquíssimos os que deram certo. Ao contrário do restante dos homens, ele gostava mesmo era de ganhar pijama, lenço e meia. Pronto. E tudo bege – ou marrom, no máximo. Eram as únicas cores do seu armário e, mesmo assim, não garantiam a satisfação dele.
Em 1998, trouxe um tênis lindo para ele de Nova York. Achei um Nike bege todo discreto – na tentativa de tirá-lo daqueles sapatos de couro e ajudar no seu caminhar. Não preciso nem dizer que foi nosso porteiro Roberto que ficou com o sneackers.
Quando dei um isqueiro Zippo, ele se apegou mas, depois de uns poucos anos, cansou de recarregar o fluído e o aposentou. Também gostou de uma caixinha de fósforo bordada com a Nossa Senhora Aparecida, da londrinense Zonna do Aroma – presente da minha irmã. Agora, a maior surpresa foi há uns dois anos, quando eu decidi dar flores ao meu pai. Comprei cravos, e eles eram mesmo maravilhosos. Pensei que, se não o agradasse, ao menos a sala ficaria feliz. E não é que ele adorou? Ficava olhando admirado para o vaso.

**************

Na estrada, vindo para Bauru, pensei em comprar cravos e levar no túmulo dele. Chegando na minha mãe, felizmente, vi um astral diferente dela. Amora, a Golden que é a nova moradora da casa, deu alegria à Norma. A bichinha é brincalhona ao extremo, mas calma, folgadona, dorminhoca e quietinha. No embalo, forcei minha mãe a ir ver o maestro Luiz Carlos Martins com suas Baquianas, espantosamente em Bauru. Ela foi. Voltou animadíssima sem aquele olhar triste de to-dos os últimos meses. Com o Corinthians jogando, fiz uma caipirinha pra gente e ela ficou ainda mais “feliz” (rs...).

No aniversário dele, e por ele, celebramos as nossas vidas.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A SUPER-AÇÃO


Então fica tudo certo quando se ajeita uma parte da vida. Escolhe-se um retorno na estrada, engata quarta, depois a quinta marcha e o caminho ganha uma forma segura para evitar desamparos. É quando um aspecto da nossa existência está garantido – e os outros viram meros artefatos de lazer ou grandes fantasmas evitáveis.

Tem gente que se apaixona, se casa, se amasia e encontra, ali, predominantemente ali, no canto mais nobre do coração, o lugar de conforto para a vida. Acontece como encontro de verdade, e também acontece como amparo ou mera acomodação.

O dever é, também, motivo de vivência: doa-se quase todas as horas úteis do seu dia na execução de uma tarefa. Entre frustrações e emoções, equilibramos. O trabalho traz uma realização de troca com o outro, com o desconhecido, que satisfaz por si só – além de ser necessário para a sobrevivência. Ocupa, portanto, espaço grande na maior parte das pessoas.

E tem gente que vive para a família, só a família, no desacordo com o mundo público. Filhos, cônjuges, visitas e aparentados: tudo para bem servir e para bem viver. Podem se preocupar tanto com o escopo das quatro paredes que pouco participam da sociedade.

E há os que vivem de ajudar – esquecem que existem como instinto, e constroem os passos na dedicação do outro. Assistenciais ou devotos, são fiéis aos que precisam de alguma coisa. E dessa alguma coisa todos se nutrem.

*****************

Super-ação seria a transposição dessas esferas todas na ordem subjetiva de cada um. É superar a acomodação de apenas uma “casinha”: a sentimental, profissional, familiar ou coletiva. Dá para ter mais de mais. Quem mergulha apenas em um dos caminhos ativa uma parte do corpo e garante uma certa segurança e conforto. Mas torna-se dependente dela: alegrias e tristezas ficam (a) condicionadas em uma única caixinha.

O importante, mesmo, é acordar “a” esfera adormecida. Qualquer que seja ela. Mesmo que a hibernação venha de tempos, aquele pedaço de coração ainda pulsa. E mais do que se pode imaginar, porque a força de ampliar os caminhos traz segurança para trilhar - é retroalimentativa. E traz sorte. Como as que tenho tido.



"Somos o que fazemos mas, sobretudo,
o que fazemos para mudar o que somos"
(Eduardo Galeano)

sábado, 13 de novembro de 2010

Lábia, Labuta, Labiata



Lenine. Labiata.

LÁ VEM A CIDADE
Eu vim plantar meu castelo
Naquela serra de lá,
Onde daqui a cem anos
Vai ser uma beira-mar...
Vi a cidade passando,
Rugindo, através de mim...
Cada vida
Era uma batida
Dum imenso tamborim.
Eu era o lugar, ela era a viagem
Cada um era real, cada outro era miragem.
Eu era transparente, era gigante
Eu era a cruza entre o sempre e o instante.
Letras misturadas com metal
E a cidade crescia como um animal,
Em estruturas postiças,
Sobre areias movediças,
Sobre ossadas e carniças,
Sobre o pântano que cobre o sambaqui...
Sobre o país ancestral
Sobre a folha do jornal
Sobre a cama de casal onde eu venci.
Eu vim plantar meu castelo
Naquela serra de lá,
Onde daqui a cem anos
Vai ser uma beira-mar...

A cidade
Passou me lavrando todo...
A cidade
Chegou me passou no rodo...
Passou como um caminhão
Passa através de um segundo
Quando desce a ladeira na banguela...
Veio com luzes e sons.
Com sonhos maus, sonhos bons.
Falava como um camões,
Gemia feito pantera.
Ela era...Bela... fera.
Desta cidade um dia só restará
O vento que levou meu verso embora...
Mas onde ele estiver, ela estará:
Um será o mundo de dentro,
Será o outro o mundo de fora.
Vi a cidade fervendo
Na emulsão da retina.
Crepitar de vida ardendo,
Mariposa e lamparina.
A cidade ensurdecia,
Rugia como um incêndio,
Era veneno e vacina...
Eu vim plantar meu castelo
Naquela serra de lá,
Onde daqui a cem anos
Vai ser uma beira-mar...

Eu pairava no ar, e olhava a cidade
Passando veloz lá embaixo de mim.
Eram dez milhões de mentes,
Dez milhões de inconscientes,
Se misturam... viram entes...
Os quais conduzem as gentes
Como se fossem correntes
Dum rio que não tem fim.
Esse ruídoSão os séculos pingando...
E as cidades crescendo e se cruzando
Como círculos na água da lagoa.
E eu vi nuvens de poeira
E vi uma tribo inteira
Fugindo em toda carreiraPisando em roça e fogueira
Ganhando uma ribanceira...
E a cidade vinha vindo,
A cidade vinha andando,
A cidade intumescendo:
Crescendo... se aproximando.
Eu vim plantar meu castelo
Naquela serra de lá,
Onde daqui a cem anos
Vai ser uma beira-mar

terça-feira, 2 de novembro de 2010

"Seguir mudando"

Se esta é a missão de Dilma na presidência do Brasil, ela começou bem.

A primeira entrevista ao vivo da presidenta foi ao Jornal da Record, que mandou duas jornalistas mulheres para a tarefa tão nobre. Está no portal R7.

Depois, Dilma falou à Globo. Bonner é quem se deslocou até Brasília para a conversa, que teve tons de Domingão do Faustão com aqueles vídeos de pessoas dando depoimentos sobre a nova eleita. Acharam até uma parente desconhecida na Bulgária...!

Mas a liberdade de imprensa, discutida na campanha com tons tão invertidos, tomou forma na atitude de quem vai comandar o país.

Parece mesmo que Dilma não acusará nem protegerá nenhum veículo de comunicação.
Começou muito bem.

Eleição, Silvério São João e meu Finados


Acordar no domingo de eleições sempre foi importante na minha vida. Já deixei de viajar para votar. Já viajei, como no último sábado, embaixo de chuva torrencial, para votar. E olha que eu tinha muitos motivos para permanecer em Londrina, mas eu não consigo. Como ficar de fora de um momento tão importante?

Já passei eleições dentro da redação de um jornal – e, aí, a piração é outra. Foi a de 1998 (no Jornal da Cidade) e a de 2006 (no Bom Dia). Precisa-se pensar em como representar os candidatos, as opiniões, as falas... E escolher fotos pra capa, então, que dilema? Até as cartas de leitores são problemáticas, já que podem ser muito partidárias. A tentativa de equilíbrio é uma grande batalha que se trava com cada um – do fotógrafo, ao repórter, editores, leitores e políticos, claro.

De fora do jornal, é só acordar e ir andando até o Silvério São João votar. Amo voltar à minha ex-escola, pública, e que era uma das melhores de Bauru. Constituímos uma geração toda naquele pátio, nos arredores de lá – e esta geração está nesta foto que recebi, há um tempo, por email, da Renata Aleixo. E, depois de todos seguirem suas vidas e cursarem suas faculdades, nos encontramos no Silverião em todos os pleitos.

Eu passei todas as eleições indo votar de vermelho: vestido, batom, blusa, saia, unha... Escolhia uma peça, um vermelho, para tentar ajudar Lula. Mas era triste, porque meus votos não “vingavam”. Cresci não elegendo meus escolhidos, e isso fez com que eu me envolvesse cada vez mais na dinâmica das eleições.

Em 2002, quando fui votar para o Lula com uma (quase) certeza de que o elegeria, foi uma alegria que eu não esqueço até hoje. E foi de lá pra cá que eu comecei a fazer parte dos que ganham eleições. Só governador, que não tem jeito aqui no Estado de São Paulo. É sempre muito, mas muito frustrante.

Diferentemente da minha família, eu nunca votei no PSDB. E acho, de verdade, que nunca votarei. Meu pai era o mais diferente de todos porque era eclético: na vida, votou no Covas, no Brizola, no Roberto Freire, no Maluf, no FHC e, claro, no Lula. Lembro claramente dele criticando minha irmã e minha mãe em 1989. Eu tinha apenas 15 anos, e pedia para eles não votarem no Collor. Meu pai concordava comigo – e ficou louco da vida quando o infeliz confiscou a única poupança que Said conseguira guardar.

Meu pai era mais parecido politicamente comigo. Nesses últimos anos, ele disse que nunca imaginava que o Lula faria um governo tão bom. E votou até a última eleição – mesmo não sendo mais obrigatório para ele. Votou até seus 80 anos. E iria até o Silverião votar desta vez, se aqui estivesse. E votaria na Dilma, tenho certeza.

...

Hoje fomos ao cemitério, na nossa primeira visita de finados ao túmulo do meu pai. As cinco mulheres da vida dele estavam lá: esposa, as três filhas e a única neta. Laila não conhecia. Mileninha já foi comigo e com minha mãe – e sempre ia com meu pai. Acendemos velas, levamos flores brancas compradas e as do nosso jardim, que ficaram espalhadas pelo granito lindo do túmulo dele, com a placa: SAID BUZALAF. 27/11/1927. 17/07/2010. COM AMOR.

Eu rezei pra ele. E conversei rapidamente contando que a Dilma era a nova presidente do Brasil. “Tenho certeza, pai, que você iria querer que as coisas continuassem a andar do mesmo jeito que estão... Ela será uma grande presidenta, meu lindo, e eu sei que você deve estar feliz.”

No mesmo momento, passou uma brisa por mim que me arrepiou inteira. Coisa que só quem já perdeu alguém tão próximo consegue sentir. Sei que meu pai estava lá com a gente, segurando na mão da Milena, ajudando a neta a acender as velas, enxugando as lágrimas da esposa, abençoando a filha mais velha que cuidava das crianças, e, sem dúvida alguma, meu pai estava lá, comigo, querendo conversar sobre a Dilma.

Que saudade dele.