sábado, 25 de julho de 2009

5 aninhos

Em junho de 2004, eu morava em uma kitinete perto do Shopping em Bauru. Havia me separado do Má e reconstruía tranquilamente minha vidinha. Aulas na USC e na Unesp, conhecendo o Fabrício e me abrindo para um outro mundo. Varava as madrugadas pesquisando o que seria meu futuro doutorado. Mas foi em uma noite bem dormida que fui acordada com uma notícia que mudaria minha vida. Era quatro da madruga, e meu telefone tocou. Minha mãe, geralmente super ansiosa, dizia calmamente que a bolsa d´água da minha irmã havia estourado. Era Laila, querendo chegar.
Voei para a casa do meu pai, peguei o carro dele e caí na estrada para Londrina. Nunca havia corrido tanto. Sentia que estava protegida. Eu voava imaginando que minha irmã poderia estar sentindo dor, ou que minha sobrinha poderia estar nascendo. Tia de primeira viagem; o trabalho de parto demora bem mais do que os quilômetros que percorri em menos de duas horas e meia.
Pedia com tanta força para um caminhão sair da minha frente que eles literalmente desapareciam. Quando eu ia me aproximando, subitamente os via entrando em um posto, um retorno, outra estrada, uma porteira... Cheguei quase sem ar até a maternidade que eu milagrosamente encontrei de primeira.
Abri a porta do quarto e acalmei, porque Mi estava mais do que tranquila; estava uma palhaça. Quanto mais ela tirava sarro de tudo, mais ria da água que saia dela, e gargalhava depois sozinha sobre isso... Acho que os hormônios deram um certo “barato” na minha irmã. Ficamos a manhã e tarde toda gargalhando naquele quarto, esperando a dilatação necessária que não chegou. Concluímos, um tempo depois, que Laila queria mesmo era ser retirada pelos quatro médicos bonitos que atenderam minha irmã, também gatíssima.
Quando a noite chegou, dr. Ricardo disse que era melhor fazer a cesárea, e já. Minha mãe desesperou. Segurei firme Norma, a abracei e choramos a emoção da espera na frente do vidro do berçário. Achei que demoraria um tanto para o procedimento cirúrgico, mas em poucos minutos entra a enfermeira com Laila aos berros. Falei para minha mãe entrar primeiro para ver sua única neta. Quando Norma saiu do berçário, eu entrei e não acreditava que aquele serzinho era minha sobrinha, minha descendente, meu amor, meu sangue... Cantei Frank Sinatra (I´ve got you under my skin”) para ela lembrar as músicas escutadas na barriga da mãe.
No quarto, Laila logo começou a mamar e eu deixei as três gerações de mulheres que eu amo para ir dormir no apartamento da Mi. Antes, passei no Pátio São Miguel para buscar um vinho. Estava, aliás, começando a me interessar pela bebida. Cheguei, liguei a banheira e brindei sozinha a alegria de ser tia sem saber ao certo o que significaria isso na minha vida.
Hoje, com meia década, vejo uma sobrinha leonina que me ama com um amor que só os sobrinhos podem amar. É forte, visceral, mas também leve. É um companheirismo para o resto da vida que se constrói desde que se nasce, mas que cresce todo santo dia. Temos uma relação de admiração e comunicação que supera qualquer expectativa que eu poderia imaginar naquela noite gelada em Londrina.
Cinco anos e eu estou morando lá, poucas quadras dela, em uma kitinete melhorada, com várias amigas separadas (depois de mim, foi uma por ano; parecia efeito dominó), também levando tranquilamente a vidinha... Aulas na UEL; o doutorado feito e terminado, mas ainda com noites de insônia produtivas. Pouco mais de um mandato presidencial depois, tanta coisa mudou na vida de uma tia coruja.
...
ps. uma consideração sobra a viagem com a minha mãe para Londrina. Norma deveria ser estudada. É de uma inteligência e com uma cabeça tão aberta... Cada vez que pegamos estrada, escutamos apenas uma ou outra música (sempre para cantar ou porque ela quer que eu traduza a letra em inglês). Vamos no bate-papo sem parar, no matter how far. Ela dá oi para os guardas e para os homens de alaranjado que trabalham na estrada com um sorriso lindo. E vai lendo todas as placas! Se deslumbra com os bois, as plantações de milho, os rios Tibagi e Paranapanema. Lembra da família dela, das belas histórias, da nossa infância... Uma alegria só. E é toda vez assim. Bela sobrinha, bela mãe, bela avó.

Um comentário:

F_ARO disse...

DONA NORMA, MÁRCIA E MIRELLE SÃO SERES NOBRES.
NOBREZA QUE NÃO SE ENCONTRA HOJE EM DIA.
NOBREZA QUE NÃO TEM NADA A VER COM STATUS E SIM COM A REPUTAÇÃO.
TRÊS MULHERES INCRÍVEIS, QUE REPRESENTAM O MELHOR DO SER HUMANO - UMA SÍNTESE DA VELHA E BOA EDUCAÇÃO.
LAILA NÃO TERÁ NENHUMA DIFICULDADE EM SE TRANSFORMAR NUM SER EXTRAORDINÁRIO - É SÓ OLHAR PARA SUA VÓ, SUA MÃE E PRINCIPALMENTE PARA A TIA MÁRCIA.
É COMO O MAIS PURO OURO. SUA ALMA REFLETE E ILUMINA OS VALES MAIS SOMBRIOS.
OBRIGADO POR TER ME ENCONTRADO E TRAZER-ME NA LUZ DA SUA VIDA.