segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Millôr

Ele é o cara. Nasceu em 1923, gente! Faz e fez de tudo. Exercita corpo e mente. Esbanja saúde em todo e qualquer sentido.
De 1968 até hoje, ele escreve semanalmente na Veja.
Tenho paixão irracional por ele.

Vai para a minha tia Sônia, escritora e leitora voraz, fã dele.
O artigo foi publicado na edição número 1 do Pasquim, em junho de 1969; Millôr só se uniria a "patota" na segunda edição, junto com Ziraldo.
Uma pequena aula sobre ousadia, escrita coloquial, dilemas da imprensa, do período e da liberdade...

VIDA LONGA A MILLÔR!!!


CARTA (EDITORIAL)

Meu caro Jaguar, você me garante que O PASQUIM vai ser independente. Tá bem, Jaguar. O Claudius, o Tarso, o Prósperi e o Sérgio Cabral também acreditam nisso? Tá bem, Claudius, Tarso, Prósperi e Sérgio. Podem começar a contagem regressiva. Independentemente, com larga experiência no setor, falo de cadeia (perdão, cadeira). Em 1946, trabalhei um ano na revista Papagaio assessorado por J. Rui, Carlos Estevão, Roland e Carlos Thiré. Quando a revista já ia nascendo foi massacrada nas mãos dos parteiros de O Cruzeiro, a quem ela ameaçava com seu psitacismo. Em 1952 consegui publicar cinco números de Voga (“O melhor é o que está em voga”), uma revista no estilo de Veja, que ainda hoje pode ser lida sem vergonha. Morreu de tiro pelas costas dado por dois ou três asseclas de Leão Gondin de Oliveira, coronel do interior pernambucano, promovido por Chateaubriand a diretor dos Diários Associados. Ainda em 1952 (ano próspero) ajudei a fechar o esplêndido Comício (uma longa existência de 20 números) de Rubem Braga e Joel Silveira, onde pestanejaram, ó Deus, suas breves carreiras Antônio Maria e Sérgio Porto. Comício morreu de leucemia administrativa mas teve a redação mais alegre do jornalismo carioca onde só uma coisa era sagrada: a hora de fechar o expediente e abrir o Haig´s. Em 1962, dirigido pelo talento editorial de Paulo Francis e Mauro Faustino na nova fase da Tribuna da Imprensa, comprada então por Nascimento Brito, batemos um verdadeiro recorde: o jornal passou da glória à sepultura em apenas cinco dias. No governo JK, consegui produzir na televisão dois programas de uma série chamada 13 Lições de Um Ignorante... Apesar de mais de cem artigos terem sido publicados contra a interdição (havia falta de assunto na imprensa), “o mais liberal dos governos brasileiros” manteve a proibição até o fim. Em 1964, por motivos “religiosos” (mudaria a igreja ou mudei eu?), fui expulso de O Cruzeiro, onde trabalhava há 25 anos. Em maio de 1964 (data perigosa) ajudado, entre outros, por você, Jaguar, e o Claudios, Eugênio Heirsh, Yllen Kerr, Marina Colassante, Ziraldo e Fortuna, consegui editar oito números do Pif-Paf como revista quinzenal. A revista recebeu dois ou três anúncios, mas assim que saiu, chamada às falas pelo banco – é claro que não esperavam aquelas fotomontagens do banqueiro – pressionada pelo Senhor Chefe de Polícia – é evidente que não gostavam daquelas fotomontagens do governador, foi, por fim, fechada. Fiquei com alguns milhares de cruzeiros novos de dívida e o meu frescobol seriamente abalado.
Se não te basta isso, Jaguar, apostando com você como O Pasquim está cortejando o cano, eu te ofereço cinqüenta casos de cerceamentos meus em teatro, cinema, tevê e jornalismo para cada um caso só que tenha havido contra, por exemplo, digamos, deixa eu pensar, digamos, por exemplo, O Globo. Morou? Foi despejado? Então, deixa eu esclarecer, este primeiro número tem um anúncio da Shell. Pois ainda há bem pouco tempo a revista da Shell me pediu um artigo e não publicou porque escrevi a história de um elefante que brigava com um tigre. E olha que o elefante ganhava, pombas! Honra seja feita, não publicou mas pagou. Só a Shell dá ao seu escritor o máximo.
Em suma, Sérgio Magalhães Jaguaribe, vulgo Jaguar, vai de Banda de Ipanema que é mais melhor. Fazendo O Pasquim vocês vão ter que enfrentar: A) O establishment em geral que, nunca tendo olhado com bons olhos a nossa atividade, agora positivamente não vê nela a menor graça. B) As agências de publicidade, que adoram humor, desde que, naturalmente, ele seja estrangeiro, lá longe, feito pelo MAD, publicado na Playboy ou filmado por Jacques Tati (“Que mordacidade!” “Que mendacidade!” “Que crítica social” “Que sempiternos pífaros!”). C) A Igreja, que depois de uma guinada de 360 graus, é extremamente liberal em tudo que seja dito e feito por ela mesma. D) A família, as Classes Sociais, as Pessoas de Importância, os Quadrados, os Avant-Chatos que se fantasiam de Avant-Garde, etcetera.
Não estou desanimando vocês não, mas uma coisa eu digo: se essa revista for mesmo independente, não dura três meses. Se durar três meses, não é independente. Longa vida a essa revista!

P.S. Não se esqueça daquilo que eu te disse: nós, os humoristas, temos bastante importância pra ser presos e nenhuma pra ser soltos.

Nenhum comentário: