domingo, 22 de novembro de 2009

20 de novembro

Data importante: aniversário da minha mãe. A escorpiana nasceu em 1934, com uma família já grande, na rua Cussy Júnior, perto da, agora vendida, sede central do BTC. Sob o som das rádios de Getúlio Vargas e às vésperas da segunda guerra mundial, Norma Neme veio para trazer alegria e desafiar diversas pedradas.
Sempre foi a palhaça dos irmãos, a confidente, a organizada e a baladeira também. Não perdia um baile e deixava os corações aos saltos com a elegância dela. Tinha 58 centímetros de cintura, imaginem só. Namorou um, dois, três, quatro pretendentes (todos, aliás, já morreram) até encontrar meu pai em 1967, e casar-se em 1969.
Foi quando a “nossa” pequena família começou. Na primeira gravidez, do menino que o marido tanto queria, ela sofreu, literalmente, um aborto espontâneo aos cinco meses. Meu irmão mais velho se chamaria Fernando, e tenho certeza que ele seria desses homens apaixonados pela mãe. Como todos que a conhecem.
Norma engravidou novamente. Veio a Mirelle, linda, forte, e trouxe a alegria para o casal. As fotos do meu pai e minha mãe com a pequena são de chorar, tamanha a alegria deles. E eles continuaram. Um ano depois, minha mãe estava de barriga de novo. Em junho de 1972, nasceu a Milena, um enigmático serzinho que abalou as estruturas.
O “pediatra” que “explicou” a síndrome de down para os meus pais – que não faziam nem idéia do que era – disse que a filha deles nunca andaria, nunca falaria e que dependeria deles para absolutamente tudo. Mesmo com pouca grana, tiveram a orientação de psicólogas desde o início, o que mudou a previsão apocalítica e ignorante do médico.
Em 1973, minha mãe engravidou novamente – mesmo tomando pílula. O médico dizia que ela não podia nem chegar perto da cueca do meu pai, de tão fértil. Mas a gravidez assustou. Norma já tinha 39 anos, e a família temia a possibilidade de nascer outra criança com limitações. Todos a aconselharam a tirar o bebê, mas o desejo de ter outra companhia para as duas meninas era mais forte. Corajosa, a minha mãe. E eu nasci, com 4,850kg.
Nossa infância foi difícil para minha mãe, que se equilibrava com a falta de dinheiro e as exigências de estimular a Milena. Nossa casa era um playground, cheio de brinquedos educativos para desenvolver a filha do meio. Aos três anos, ela começou a andar e logo foi soltando suas palavras cheias de vogal. Mérito da minha mãe.
As duas outras meninas também deram um bocado de trabalho. Mirelle teve várias pneumonias quando criança/adolescente, e eu era um moleque, sempre de braço quebrado ou arranhões das partidas de “queima” na rua.
Quando eu tinha uns 14 anos, Milena teve seratocone no olho direito. E este seria um dos maiores sofrimentos para minha mãe, que acompanhou os três transplantes de córnea e as internações infindáveis em Campinas que atravessaram alguns anos. Mesmo assim, a filha perdeu totalmente a visão de um olho. Uma revolta que permeou todos nós, e que regrediu a evolução comportamental da Milena em vários anos...
Tentamos, depois, internar a Mi em uma escola famosíssima em Betin, Minas. Preparamos todo o enxoval; achávamos que era o melhor para ela. Meus pais a levaram de Del-Rey, a deixaram na escola, foram para o hotel dormir e passaram a noite toda chorando. Os dois. No dia seguinte, bem cedo, voltaram para resgatar a filha e levá-la de volta para Bauru. É indescritível lembrar da emoção de ver o carro entrando na garagem, com a Mileninha no banco de trás.
Anos e anos mais tarde, com as filhas já adultas, minha mãe enfrentou seu maior medo. Teve o diagnóstico de câncer, a tão temida palavra. Cheguei de Londres, em 2001, e logo estava no hospital com ela, para a cirurgia que tentou tirar o máximo de nódulos do linfoma que a atordoava. Depois, começou a quimio, que puxou minha mãe para baixo. Ela não se conformava com o cabelo caindo, com a doença, com os exames que mostravam como ela estava fraca... Brigou com Deus, brigou com o mundo, e pouquíssimas coisas a faziam feliz, apesar da previsão de cura completa.
Nas vésperas da última sessão do tratamento, porém, uma médica descobriu um nódulo na mama direita. Exames depois, estava confirmado o tumor, que deveria ser retirado logo. A previsão de um famoso mastologista de Bauru era péssima: talvez, tiraria a mama toda. Eu o odeio até hoje. Levamos mamãe para São Paulo, onde achamos um médico muito gente boa que abriu o céu nublado. Tirou um quadrante, deixou o peito dela lindo, mas recomendou o tratamento nada agradável. Quimio, novamente, e radioterapia. Norma ficou pior ainda de humor, triste, reclusa, machucada e amargurada.
Ano passado, recebeu “alta” completa dos médicos. Está totalmente curada.
Em 2003, outras notícias mudaram a vida dela. Primeiro, eu e Mário nos separamos. E ela sofreu pacas. Minha mãe via o genro como um filho. Má era atencioso e amigo de Norma. Logo depois desta perda, veio o maior ganho, maior presente, maior benção: Mirelle engravidou, e minha mãe conheceu sua primeira e única neta.
Laila é a paixão da minha mãe, por quem ela faz quase tudo. Digo “quase” porque Norma é um ser que cuida de várias pessoas. Não deixa um parente, funcionário, vizinho, o marido, nem uma filha desatendida quando precisam. Talvez seja porque, a cada ano, ela adquire uma nova habilidade, novas modernidades. O aniversário de 75 anos, por exemplo, foi comemorado com o segundo furo para brinco em cada orelha que ela fez recentemente. Ficou um charme.
Apesar de ser muito amorosa, é uma escorpiana nata, que sabe se defender quando precisa... É passional como uma adolescente. É sorridente como uma criança. É amiga e mãe como poucas conseguem ser. É motivo de orgulho e de segurança para uma filha apaixonada.

Ps. Não dá para esquecer que a mesma data é aniversário do querido bar Armazen e do inesquecível lançamento do jornal BOM DIA.

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