Minha casa em Londrina, a partir de sábado, será na rua Alagoas. Eu sei que o estado é terra de Collor, mas a posição geográfica ajuda: fica entre as ruas Paranaguá e Santos, dois portos, duas saídas para o mar, duas cidades pelas quais passei mais de três vezes na vida. É, acho que estou em casa.
O apartamento é melhor do que eu esperava e maior do que precisava, mas, depois de ver uns 20 lugares para alugar, como resistir a este? Sala grande, irregular, belamente iluminada, e já com um espelho na parede e pregos para meus quadros (que estão no porta-malas do carro), dois belos quartos, mega área de serviço com lugar pra cachorra, cozinha grande (mas que falta umas prateleiras), uma suíte de chorar, de tão linda, e dois banheiros inacreditáveis.
Negociei o preço do aluguel. Com condomínio caro, nenhum proprietário quer ficar amargando um apartamento por mais de alguns poucos meses. Mas, pelo que soube da imobiliária, o fato de ser eu – só eu – sem filhos nem amigos para dividir o apartamento, contou bastante na decisão. A lógica é que sou uma melhor candidata porque, sozinha, tendo a depreciar menos o apartamento. É a primeira vez que vejo uma coisa single ter vantagem sobre os pacotes familiares – que vão de viagens até pacotes de comida.
O transporte dos móveis de Bauru será daqui uns dez dias. Enquanto isso, vou me virando com o que tenho. A maior preocupação, por enquanto, não é em relação ao eco de um apartamento vazio, nem à estranheza que vou sentir num apartamento grande. O lance é a Shú, que demorou pra se acostumar com este apartamento e que, agora, terá de mudar de novo, para um labirinto de três quartos. Fico preocupada com ela, porque a bichinha é apegada. Até hoje, depois de um ano de Londrina, eu sinto que ela fica mais feliz quando vai pra Bauru.
Ontem, conversamos:
- Vem, cá, meu anjo, preciso te contar uma coisa: a gente vai mudar de casa.
Shú me encara fixamente, e agrava ainda mais as rugas naturais da testa. Ela para de fazer qualquer coisa quando eu falo.
- Eu sei, neguinha, que não foi fácil você se adaptar no Chamonix, mas aqui não é nosso lugar. Vamos mudar de apartamento?
Shú lambe os beiços. Ela associa o verbo “querer” com comida e passeio. A coitada ainda tenta arregalar mais seus olhos chineses e semi-vesgos, louca para reagir a uma fala ou atitude minha.
- Não, anjo, não... Tô falando da nossa nova casa. Você vai ter um quartinho pra você, vai ter um monte de lugares pra explorar, tá? E tem sacada, shulé, pra ver a lua, o por-do-sol... Vai ser uma delícia...
Shú se empolga e começa a abanar freneticamente seu rabo virado para dentro do corpo – compenetradíssima em mim. Eu aproveito a deixa:
- Mas não quero reclamação no começo, cã, e eu sei que vai ser superdifícil. Você não pode atrapalhar, Shú da Silva, porque não vai ter um monte de coisa e vai demorar um pouco pra gente se sentir em casa. Mas não pode fazer palhaçada de ficar tristonha quando ficar sozinha lá. Não pode!
Shú começa a querer lamber meu queixo, no seu melhor pedido de desculpas. Ela é assim: quando eu falo “não”, ela já começa a se redimir. Tadica.
É aquela coisa do bicho se parecer com o dono. Na minha opinião, é pior: a Shú é minha caricatura. Ansiosa, apegada e adaptável ao extremo. Eu mesma ando me despedindo deste mini-apê que morei, porque ele será, para sempre, meu primeiro apartamento em Londrina, onde mais me encontrei e encarei o conflito e a identidade com a nova cidade. Me adaptei porque não é a primeira e talvez não seja a última “casa” que deixo. Mas a casa nova, mesmo que venha a ser provisória, será meu porto seguro por um tempo. Entre Santos e Paranaguá.
2 comentários:
Olá!
Belo post! Bastante poético!
Boa mudança!
Passei da tristeza (pela noticia da morte do teu primo, no post de hoje), de quem aliás me lembro muito bem (ele é o tipo de cara que nao é "mortal": nao dá pra associar a morte a ele) ao sorriso lendo esse teu diálgo com a Shu. É muito bom te acompanhar e ir conhecendo Londrina, os bancos da UEL, o FILO...teus relatos sobre a busca de apto me arrepiam, sei bem como é isso...boa sorte na nova casa!beijos, saudades e muita for´ca! Lori.
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