sábado, 31 de outubro de 2009

Identidade


Descobri um dos melhores cantinhos em Londrina. E, por sorte ou destino, é só dobrar a esquina da minha casa para chegar nele. É uma cafeteria, por fora e por conta do nome. Caramelo Café. Uma construção comprida, não muito grande mas com pé direito alto, um mezanino lá dentro, recuada no terreno para abrigar algumas mesinhas na frente para os fumantes que recebem até cinzeiro. Ao menor contato com o cardápio, você percebe que está em lugar especial. Tem cafés, bebidas, massas, filés, arroz, feijão, sobremesas, salgados, sandubas e até cestas com bebidas e petiscos... Fora as prateleiras nas paredes com vinhos sul-americanos e cervejas das mais variadas, coisas que eu nem conheço. Sempre tem uma trilha sonora leve, como Beatles e John Pizzarelli, tão baixinho que só percebe quem quer sorrir. Aí, os donos vem te atender. Um casal porreta que te olha nos olhos, que é do bem e te oferece uma conexão de internet para ninguém botar defeito. Pensei em como eles eram “profissionais” com o que fazem, mas logo me corrigi. Eles gostam e sentem prazer em nos servir, em cuidar de um cantinho de tão bom que dá gosto de frequentar. Dá para perceber que é natural dos dois, que eles acreditam naquilo tudo que eles vendem e fornecem. Até agora, já parei umas vezes com a Shú, para sentar e tomar um mate gelado, já que eles permitem a minha cachorra nas mesas de fora, e degustei os cafés e cappucinos. Mas também é um lugar para se terminar uma tarde, trabalhando ou interagindo com o notebook, e ainda fumando um cigarro sem ninguém olhar feio. Precisa mais? Tem gente que acha sua vocação e consegue, sem nem saber, ser uma referência para quem se sente sozinha no meio de uma multidão.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Quem não comunica...


Balanço da Semana de Comunicação da UEL:

- incrível a disposição e força dos alunos. Levaram palestrantes ótimos e variados, organizaram tudo e ainda fizeram uma cobertura online. O ótimo blog Londripost, criado pelo aluno Vitor como trabalho de conclusão de curso, participou das palestras passando informações pelo Twitter e encaminhando as perguntas dos alunos que não puderam ir, ou de outros “seguidores” do blog. E isso trouxe uma dinâmica interessantíssima para os debates. Tanto que, com eventos ocorrendo simultaneamente, a não-cobertura do Londripost em algumas palestras fez falta.

- conheci gente incrível. O Zezão, um radialista de 64 anos que trabalha desde os 13 no rádio. Diego Prazeres, editor de esportes do JL. Tony Hara, filósofo, jornalista, historiador, radialista, elétrico, casado com a Patrícia Zanin... E os interneteiros da cidade: Cláudio Osti e Nelson Capucho. O primeiro faz, sozinho, o debochado blog sobre bastidores “Paçoca com Cebola”. Figuraça. Não conseguiu responder uma pergunta sequer sem fazer uma plateia de mais de 60 alunos morrerem de rir. Eu, inclusive. Absurdamente realista e sincero, discutiu ética e teoria da comunicação fácil fácil. O amigo Capucho, que faz o famoso e importante site Londrix, mostrou a mesma tranquilidade ao falar sobre a nossa profissão. Homem vivido, de ótimo humor e muito carinhoso na sua fala, ele foi um dos mais críticos e preparados. Levou jornais antigos de Londrina e ainda distribuiu alguns exemplares do seu livro de poesia.

- ouvi bastante os termos “antigamente”, “na minha época”, e os jargões que usamos para falar sobre nossas experiências que indicam que somos de outra geração. Percebo isso em mim e na fala dos jornalistas que participaram do debate. Falamos do “gilette press”, do vinil que ocupava salas e salas nas rádios, dos laboratórios de fotografia nos jornais, dos longos textos, do aparato para se entrar ao vivo em uma programação, das dificuldades que detestávamos e, aparentemente, adorávamos... O relato romântico do passado dá sentido para a nossa memória.

- a palavra de ordem, em todos os debates dos quais participei, é criatividade. Talvez o jornal não morra, talvez a minha geração pra frente esteja aprendendo a lidar com as novas tecnologias, talvez a decisão do STF em relação ao diploma de jornalismo não mude nada, talvez a internet possa mesmo ser nossa aliada nas possibilidades de criação, talvez ainda haja saída. Mas, hoje, na mesa-redonda que mediei, Zezão falou, sem pudores, uma palavra que motiva a criatividade: tesão. Jornalista sem tesão, realmente, não tem solução.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Adjético

Acredito que o termo possa ser atribuído à minha singular tia Sônia em um de seus belos emails. Por meras questões de digitação, ela trocou o “v” do adjetivo por um “c”. Pronto. Eu li adjetico, sem acento mesmo porque a internet possibilita esta decodificação, adorei a palavra e elogiei minha tia professora de português. Achava que era um adjetivo sobre o adjetivo, mas ela retornou aos risos, explicando a troca de consoantes.

O tempo passou e eu continuo com a palavra na cabeça. Já gastei meu adjético vez ou outra para testá-lo, em diferentes situações, e ele parece ter um futuro promissor e acolhedor. Todos, até agora, aceitaram o adjético como uma expressão de eventos/coisas/pessoas/sentimentos carregados de adjetivos. Nem precisei explicar.

No jornalismo, não se “pode” usar aleatoriamente os adjetivos, na busca de uma suposta garantia de objetividade. Discuto isso exaustivamente com meus alunos. Realmente, não dá para absorver a linguagem de um policial e cravar um “deliquente” ou “meliante” ou “elemento”, adjéticos por si só. Mas a mera escolha de algumas pautas já questiona qualquer tentativa de imparcialidade. Falamos sempre de algum lugar, para um certo alguém. E é essa definição de público que, por vezes, nos concede a licença para usar e abusar do subjetivo.

O adjetivo cria, portanto, uma subjetividade e um elo entre as pessoas. É claro que você se arrisca pacas quando utiliza adjetivos para descrever, explicar, corrigir, conversar... Entra nos limites tênues do julgamento alheio e da qualificação em categorias. Mesmo assim, eu gosto de gente clara, objetiva, que fala sem medo e que pode, sim, ser adjética. Sem dó nem vaselina. Só com uma boa pitada de respeito...

Eu acho que sou adjética por natureza. Aliás, alguém na minha família 100% libanesa deve ter pulado a cerca, porque meus gestos, gostos e hipérboles são muito italianos. Mas é que não sei elogiar de pouquinho, nem gostar em prestações. Paola, minha amiga italianíssima, é a rainha da intensidade: quando ela gosta, ela ama; quando desgosta, odeia!

Pazinha adora adjetivos e, talvez por isso, deu atenção ao termo inventado. Escrevi um email para ela e, no meio, como quem não quer nada, soltei o meu experimental “adjético”. Na resposta, ela logo comentou que amou a palavra, que ainda não conhecia etc e tal. A amiga italianamente adjetiva a refeição apimentada que detesta tanto quanto o vinho italiano que ama.

Pessoas adjéticas fazem parte da nossa vida. Não são deslumbradas nem exageradas. Apenas acham a palavra ideal para se expressar. Tudo bem, às vezes acham uns vinte adjetivos de uma vez só. Mas, geralmente, verbalizam com o coração muito mais do que um registro de amor ou de revolta. Dá para se conhecer bem uma pessoa pelos seus adjetivos.

É, tia, quem diria que, ao trocar duas letras, você ia criar uma palavra tão importante na nossa língua. E uma palavra tão sua cara. Só mesmo a tia mais cheia de adjetivos.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A gripe X


Ruim demais é passar mal de saúde, quando o corpo reclama em diversos pontos, sem aviso prévio nem prescrição médica. A sorte é que foi em Bauru. É aqui que sei de cor e salteado o telefone da farmácia, tenho meu plano de saúde, chego em qualquer hospital sem mapa, conheço minimamente os médicos... Fora os meus pais, a poucas quadras de mim, e meus três grandes amigos, que valem por uma metrópole.

Era para ser aquele final de semana em Bauru, com irmã e sobrinha e, pela primeira vez, eu e Shú viemos de carona. Chegando, fui ao Templo comemorar aniversário da cada-ano-mais-bela Laura - com Paola, Fabrício, vinhos, aperitivos, brindes, talha T, risoto de funghi e rocambrócolis (é uma peça de filé enrolada com brócolis, alcaparras, molho branco, tostado no forno, coisa de louco...). Até eu comi umas lasquinhas de carne, deixando os amigos perplexos. Voltei no tempo, no Templo de quando eu era bem nova, quando comia carne, quando descobri aquele restaurantezinho de personalidade, manias e um charme sem precedente na cidade.

O sábado de família terminou em uma noite de chuva e febre, que já veio alta, 38,8 caindo para 38,2 graus depois do antitermal, parando no 37 e pouco e oscilando o dia todo. Transpirei horrores, náuseas e acabei indo ao hospital mais perto daqui. Conhecia o cardiologista pai do plantonista que lá estava, mas que mal olhou para minha cara. O infeliz parece que queria almoçar, e, ao olhar minha ficha, falou: “é fumante, né?”, como se isso explicasse tudo. Ouviu, literalmente, duas vezes meu pulmão, mandou eu tomar uma injeção doloriiiida e procurar um infectologista. “Pode ser pneumonia também”. Revoltante. E, em todas as paredes do hospital, os cartazes da gripe H1N1 do Serra explicando e assustando os impacientes.

Passei um domingo detestável. Frio, calor, náusea e uma dor no corpo que parecia que eu havia feito várias aulas seguidas de body-pump. Dor de cabeça, enxaqueca, e a Mirelle e Laila tiveram de ir. Fiquei aqui, com a cachorra, sem carona para Londrina. A coitada terá de ficar sozinha quando eu for de busão. Liguei para o colega da UEL responsável por estes assuntos. Na sexta, eu havia ficado no estúdio de rádio com vários alunos, ar condicionado ligado e porta fechada a manhã toda. Preocupei com a turma.

Segunda cedo, fui a médico que parecia ser de verdade. Já me botaram uma máscara, fizeram o exame e, em menos de uma hora, saiu o resultado. Negativo para a gripe A. Ufa! Eu já vinha engasgada com essa gripe há tempos. Mudou minha vida, o calendário, da UEL, bagunçou o semestre, cancelou férias, assustou colegas e pessoas de Bauru, inclusive uma amiga querida grávida... Recentemente, fiquei mais enfurecida ainda porque minha mãe, com suspeita, precisou tomar Tamiflu. E eu em Londrina, também preocupada.

Vivi o fantasma da gripe A desde que ela apareceu. E ele consegue ser um serzinho que desperta um sentimento tão solitário quanto coletivo. É fantasma mesmo: fica atazanando a cabeça da gente. No delírio termal do meu corpo, oscilei entre me preocupar com os efeitos (comigo e com os outros) ou fazer vistas grossas para as consequências e voltar para minha casinha paranaense. Mas quem é jornalista, e pesquisadora, sempre pensa nas relações que se envolvem em torno de um fato.
Pessoalmente, virei pauta própria. Faço parte da turma que teve gripe X.

domingo, 11 de outubro de 2009

Ideias de elevador



Dos seis apartamentos onde morei, apenas dois tinham elevadores, e eles não faziam muito parte da minha vida. Foi pouco tempo de convivência com o sobe e desce até eu me mudar para Londrina. E para o oitavo andar.

Acontece que o elevador daqui é peculiar. Primeiro: tem câmera, fato que, inicialmente e burramente, eu não sabia. Aprendi a duras cenas. Segundo porque rola um tempo ocioso naquela cápsula, o que faz você conhecer alguns vizinhos.

Eu raramente consigo ficar em silêncio. Acho estranho aquele climão de duas pessoas apertadas em um minúsculo espaço sem ter o que fazer. Aqueles dez segundos viram uma eternidade e, se a pessoa se mantiver calada, eu espontaneamente vou soltar uma função fática. O espelho, aliás, deve servir para ampliar o quadrado e para proporcionar uma atividade para os silenciosos moradores - quase todos se olham no espelho.

Na Inglaterra, o problema não é tão evidente, visto que os elevadores lá praticamente falam. Ficam avisando o tempo todo as suas ações: doors opening; first floor; doors closing; second floor... Sempre achei a característica simpática e, claro, democrática com o colega deficiente visual.

No Chamonix de Londrina, são vários apartamentos, muitos moradores e uma população flutuante igualmente significativa. Alguns são freqüentadores natos do meio de transporte vertical, com horários parecidos com os meus; outros, acho que nunca mais verei porque estavam apenas de passagem. E tem gente com cachorro, como eu, e já rola uma empatia mútua instantânea. Curiosidade dessa amizade: conheço os donos, conversamos, mas só sei mesmo o nome de Rebeca, uma fox minúscula e gente boa, e Nina, uma lhasa cabeludinha e dentuçinha. E eles só cumprimentam nominalmente a Shú, claro, que prefere os humanos do que os caninos. Minha cachorra me deixa até sem graça, de tanto que despreza as tentativas de amizade dos outros peludos.

Os elevadores são cheirosos pela manhã, em uma mistura de vários perfumes, sabonetes e cremes de barbear. Pode-se até sentir um aroma morno de pão, vez ou outra, visto que tem uma padoca na esquina de casa. Mas já tive o desprazer de ver uma bituca de cigarro ali, no chão, assustadoramente no mesmo espaço que eu. Também fiquei presa, em um final de tarde, com um pernilongo, o que não foi nada agradável nem bonito de se assistir pela câmera.

O que poderia rolar é um som ambiente. Sei lá, deixar ligado na UEL FM. Dá até um bom slogan: “a rádio que te transporta... verticalmente”. Ou, melhor ainda: lançar um JE, Jornal do Elevador, mural, com notícias elaboradas para quem mora na cobertura, e notinhas rápidas para os habitantes dos primeiros andares. Ninguém nunca pensou nisso, não?

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Vermelhitudes

O fim de tarde hoje em Londrina foi belamente vermelho. Saí com a Shú e senti a quentura paranaense na minha pele; voltei para casa e vi o pôr-do-sol alaranjado esquentando minha inquietação. Mesmo assim, era bonito vê-lo deitando lentamente na cama avermelhada da terra daqui, da terra que tinge. Entrava pelo arranha-céu dos prédios que me cercam e buscava uma fresta para entrar na minha pequena sala. Entre as persianas que não entendo, nem domino, as luzes quentes conseguiram chegar até meu corpo. Eu deixei. Sempre deixo. O sol esquenta meu coração quando está vermelho.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

pela metade

"A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez. Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade. E sua segunda metade voltava igualmente com o mesmo perfil. E os meios perfis não coincidiam. Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta. Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em metades diferentes uma da outra. Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia."

A Verdade. Drummond.

Dei de procurar poetas na internet.
Sem o livro, parece meia poesia.

Tô brava



Agora, as crianças especiais devem frequentar escolas regulares para estimular a inclusão. Com certeza, a autora do projeto do Ministério da Educação (que dizem ser londrinense) não tem filhos nem parentes portadores de deficiência. Acho até que a bandida nunca deve ter pisado em uma APAE para saber que essa possibilidade não existe para a maioria – a megamaioria. Vamos além: o que será feito com todos os profissionais que trabalham nesse modelo de escola especial, e quais são as escolas públicas preparadas para atender as crianças? Sim, porque muitas vão passar a vida toda deliciosamente na infância.
Minha irmã é um caso. Tem 37 anos e um jeitinho de menininha que sempre nos surpreende com uma nova palavra, uma nova mania... Apesar de ser bastante independente, Milena morre de medo de andar em lugares desconhecidos sem o apoio de alguém, já que ela não enxerga de um olho. Mas, como é corajosa e saideira, segura forte na mão de quem estiver junto e mete bronca. Vai até de ônibus com os colegas downs e com deficiências variadas, até a APAE, o que lhe garante uma autonomia sem comparação. Duas assistentes carinhosíssimas cuidam dos alunos durante o trajeto.
E é na APAE, e somente lá, que Mi sempre foi acolhida como a linda aluna especial que é. Freqüentou escolas particulares horríveis e sempre voltou para a APAE - desde 1986. Nunca fui de vangloriar os aprendizados escolares, até porque eles não existem, mas é na aula que Milena faz amizade, convive, briga, participa de festas juninas, de fim de ano, do dia das crianças... São várias professoras entre pedagogas, psicólogas, fonoaudiólogas, fisioterapeutas. Só na sala dela são umas três ou quatro para, no máximo, dez estudantes.
Queria saber qual escola regular vai oferecer isso a algum aluno especial. Até porque, os que não precisam de toda essa atenção já estão há tempos nesse esquema de inclusão. E, sobre isso, quem legisla é a mãe, a escola e a dinâmica que se estabelece entre as diferenças.

Para Mileninha e sua tchurma, não é o fim da APAE, apenas.
É o término da vida escolar e de uma independência social e afetiva que eles tem entre eles. E que, quem não entende, deveria calar a boca. Pura e simplesmente.